sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Evening In Paris - Fumio Karashima et Toots Thielemans

Era um fim de tarde cinzento, como os acordes do baixo e as variações da gaita-de-beiços deixavam transparecer. Sob a janela do meu quarto, correndo serenamente, o Sena transportava toda a mansidão do mundo para um mar de ilusões que todos vivíamos entre sonhos e agonias. As estrelas iniciavam o seu cintilar, sobre os telhados do casario ancestral e eu, alheado de tudo, perdia-me a contemplar os casais que apaixonadamente escapavam entre os ciprestes, procurando nas sombras a ilusão da invisibilidade e se amavam vorazmente, apartados da realidade que os abarcava. Os pássaros, centenas de pássaros, clamavam num chilrear ensurdecedor enquanto procuravam o último galho disponível, para o merecido repouso nocturno. Cerrei as janelas e entendi que os sons embaladores de Karashima e do Thielemans sobrepunham-se a qualquer infeliz intencionalidade que me pudesse fazer sair daquele quadro, daquele quarto, daquele sonho… Bateram à porta. Limitei-me a girar a cabeça na sua direcção, desejando que tivesse sido uma estranha sensação e que, na verdade, nada nem ninguém ousasse interromper tais edílicos momentos. Permaneci acostado à parede, observando pela janela a excelência da vida e ousei recuar um passo, saindo dentro de mim próprio, deleitando-me com aquela estranha sensação, de um corpo inerte, de costas para a realidade e extravasando uma nostálgica satisfação. Algumas gotas de chuva outonal vieram compor aquela tela na cidade luz e confundindo-se com as lágrimas de prazer que me escorriam na face, deram-me a entender que as coisas simples e bonitas trazem-nos uma imensa felicidade. Jamais voltaria aquele quarto, porquanto os sonhos raramente se repetem com a mesma intensidade, com as mesmas imagens, tão-pouco nos permitem o mesmo prazer. A porta foi novamente espancada por um som abafado e triste e eu, esforçadamente, arrastei os pés como se uma modorra imensa me aprisionasse num grilhão intransponível. O esforço desumano para atravessar o quarto foi profusamente compensado quando, escancarada a porta, a minha alma foi invadida com Evening In Paris…

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